Estimados familiares,
Regresso ao convívio falando-vos em directo de Nyon-Suíça. Esta bela localidade, que à beira do lago germinou é sobejamente conhecida pelos amantes do esférico pelo facto de aqui se situar a sede da UEFA, local onde se realizam os sorteios para as Taças Europeias (é precisamente aqui que o Benfica vai saber que vai jogar com o Chelsea nos quartos de final e com o AC Milan nas meias-finais da Liga dos Campeões). Coincidentemente, este lugarejo é também o local onde se situa a sede da minha (salvo seja) companhia.
Mas não fazemos sorteios.
Ora bem, pois porque os afazeres me chamam, aqui estou eu a helveticar precisamente uma semana depois de cá ter estado numa interessante viagem que consistiu em meter-me num avião em Lisboa, do qual saí directo para uma carrinha de um hotel situado a 300m do aeroporto, passando o dia seguinte fechado numa sala, ao fim do qual voltei a entrar na diligente carrinha que amavelmente me largou no aeroporto, onde apanhei o avião de regresso. Isto é que eu chamo viajar. Vá lá, ainda deu para ver, nessa manhã, que estava bom tempo o que dá sempre jeito para usar como desbloqueador de conversa.
Mas adiante. Penso que quando se vem assim a um sítio tão iconizado como a Suíça trazem-se sempre algumas expectativas. E portanto, estas viagens acabam por ser um esgotante exercício de gestão de expectativas. E caríssimos e prezadíssimos familiares, há aqui coisas que me deixam lixado. Isto, digamos, para usar uma linguagem mais directa. Mas vamos por partes.
Aliás, cabe aqui fazer um aparte (o que em si é uma redundância) para explicar que esta situação que encontrei de dividir isto por partes é especialmente dirigida à Tia Guida que manifestou no pretérito dia de descanso complementar (vulgo, Sábado) o facto de as minhas blogantes entradas exigirem algum fôlego. Penso que pela dimensão métrica das mesmas. Ora este formato que encontrei, já permite, à laia de exemplo, o Tio Luís chegar a casa e perguntar "Então Guida, o que fizeste hoje?", "Olha estive a ler a parte 1 da entrada do Miguel por sinal muito interessante" (isto já sou eu a fazer um bocado de auto-promoção),"Eh pá, a ver se também arranjo coragem para isso, são muitos ecráns?"... e tal. E para aí uma semana depois em conversa com a Inês "Inês acabei agora mesmo de ler a parte 4 da entrada do Miguel e olha que até tá giro" (mais um bocado de autopromoção...), "ah Tia, veja lá que sorte que eu ía na parte três barra dois e caiu-me a ADSL e agora já não sei se arranjo coragem para recomeçar". Pronto, penso que fica aqui a ideia, e acho que com este bocadinho de organização a coisa vai lá.
Regressando ao tema, e para não haver qualquer confusão com o acima exposto (nomeadamente na parte autopromotiva), até vou enveradar pela numeração romana para não haver possibilidade de comparações. Começo assim na parte Pau e sinceramente, neste momento, desconheço se chegarei à parte Pau-Vê.
Portanto, Parte Pau:
Dizia eu que vir aqui é gerir expectativas. Passo ao desenvolvimento. Uma das coisas que ressalta do ícon suíço são as vacas. Daquelas grandes, às manchas, com o berloque chocalhante num tão tlão permanente. Ora bem, um tipo desembarca aqui no aeroporto, vai pelos corredores e passadeiras rolantes e... eh pá, nem uma vaca! Nada! Eu acho que, no mínimo, deviam ter aí umas duas dúzias de vacas às manchinhas pretas e brancas a passear pelo aeroporto, a viajar pelos tapetes rolantes, a passarem no raio-x, a pesarem-se nas balanças do check-in, e assim. Então isto é que é a Suíça? Mas será que estão a mancar connosco? Enfim, neste aspecto, uma desilusão completa. E, naturalmente, a malta começa a ficar com o humor toldado.
Outra situação que entorna ainda mais o caldo para cima do humor é que também não se vê ponta de erva neste aeroporto. Pá, então estes gajos não são capazes de plantar aqui uma ervita para a gente perceber que está na Suíça? (refiro-me, obviamente à erva que o ícon suíço posiciona nas montanhas, normalmente por baixo dos pés do quadrúpede acima mencionado). Enfim, é absolutamente escandaloso. É que nem há assim um quadradinho para a gente poder dizer "pronto, fosteis comedidos mas pusesteis aqui qualquer coisa, já me dá a ideia que estou na Suíça". Nada, rien! Penso que isto é comparável com a desilusão que seria chegarmos ao aeroporto de Lisboa e não podermos apreciar o chão sujo com a típica escarreta lusa, com os restos de pastilha elástica ou mesmo não conseguir encontrar nas ruas de Portugal a defecante prova da presença de aparelho digestivo no animais domésticos. O que é que o desprevenido visitante iria pensar? Que tinha chegado à Suíça, não? Boooolas!
Termino esta parte pau, com outra situação que eu acho que deixa qualquer visitante com os nervos em franja. Esta aqui é que me põe mesmo fora de mim. Aqui a Suíça também é sinónimo de chocolates, verdade? Assim como na Escócia há o uísque e na Arábia Saudita há dinheiro. Ora todos sabemos que na Escócia há torneiras das quais brota o destilado, assim como na Arábia Saudita as torneiras são em ouro. Agora... vocês pensam que aqui há torneiras que deitam aqueles chocolatinhos suíços que têm a fotografia do repuxo aqui de Genebra e as vaquinhas nas montanhas e mais não sei o quê? O caraças é que há, pá! Isto é um escândalo! Isto é uma fraude! Tá bem, concedo que se calhar é tecnicamente complicado fazer isso mas então procurem alternativas. Por exemplo, há aquela sala em que a malta aguarda a chegada das malas, contemplando o monótono tapete que não pára de andar à volta enquanto o pessoal se afussanga todo para sacar aquela mala verde para afinal chegar à conclusão que a mala não era aquela e que "porra eu bem te disse Maria para não comprares uma mala igual à dos outros, és sempre a mesma coisa (tou a pôr a coisa suave)" e tal. Ora bem, era simpático, diria mesmo expectável que do tecto desta sala de vez em quando jorrasse uma quantidade dos ditos chocolatinhos. Mas pensam que sim? O caroço, é que jorram!
E por acaso esta coisa de jorrar do tecto qualquer coisa até me faz lembrar outra que, então, me deixa no limiar da histeria. Os estimados familiares, que ainda não desistiram de ler isto, tão mesmo a ver, como eu, aquelas montanhas cheias de neve, brutos nevões e tal, não é? MAS VOCÊS PENSAM QUE ALGUMA VEZ NEVA DENTRO DESTE AEROPORTO? O canudo, pá! O canudo! Estas energúmenos têm o aeroporto a uma temperatura que parece que estamos na República Dominicana, pá! Chiça... até vou passar directamente para a parte Pau Pau a ver se ainda evito uma apoplexia.
Parte Pau Pau:
O meu trajecto a seguir a transpôr as portas para a área pública das chegadas, aquele sítio onde estão aqueles senhores com uns cartazes pendurados a advinhar se eu por acaso tenho cara de Rasmundsen, Salamaniev ou mesmo Ivokuchenko, é quase sempre o mesmo. Noventa graus à esquerda em direcção à estação de comboio. Nesta fase credito um bocado as minhas impressões. Houve aqui alguém que se lembrou que era capaz de dar jeito espetar com uma estação de comboio no aeroporto. Raciocínio que de facto já não está ao alcance de um país como o nosso, veja-se o Aeroporto da Portela que opera à dezenas de anos sem esta infra-estrutura. As coisas permanecem no assento positivo quando me desloco à máquina automática para comprar o bilhete de comboio. Sim senhor, pá, quase que me correm as lágrimas pelo faucis abaixo. Dez Euros por um mísero bilhete em 2ª classe numa viagem tipo Lisboa-Estoril, isto sim, já é qualquer coisa digna da Suíça. Infelizmente a entrada do comboio volta a reverter a situação. Vai um meco a contar com uma coisa toda arrumadinha e limpinha e vai daí surge ao viajante uma carruagem com ar assim-assim, com jornais espalhados no banco, e o diabo a sete. Eh pá, mas então onde é que está aquele país onde está sempre tudo limpinho e arrumadinho? Tão a gozar, não? Vá lá que o comboio parte à hora para isto ainda ter o arzinho da sua graça, e a viagem até decorre bem com uma senhora a falar nos altifalantes numa data de Línguas, a desejar as boas-vindas e a explicar que a estação a seguir é Genève, que o comboio é isto e aquilo, que vai directo para não sei onde e por isso não pára não sei que mais... Enfim, até estiveram bem e para não borrar a pintura avanço já para a...
Parte Pau Pau Pau:
A parte final do meu típico percurso compõe-se de um trajecto a pé desde a gare ferroviária até ao Hotel, prasenteiramente ubicado na borda do Lago Léman, colaborando a meteorologia, com vista para o Monte Branco que se ergue lá do outro lado do lago, mais ao longe. É justo referir que a iconografia aqui não falha pois se falamos num trajecto que a pé se faz em 10 minutos, imagine-se de taxi. E, como manda a expectativa o motorista não revela qualquer aborrecimento pelo trajecto semelhante a ir do aeroporto à rotunda do relógio não nos presenteando pois com a habitual colecção de impropérios começados por diversas letras como o "c" o "f" o "p" e outras. As ruas estão globalmente limpas ninguém parece gamar as flores dos canteiros mas eh pá, nem tudo pode ser perfeito. ONDE É QUE ANDA A HEIDI, Ó MEUS? ONDE PUSESTEIS O MARCO? Já me está a chegar a especiaria ao nariz novamente! ONDE É QUE ANDAM AS MENINAS DE TRANÇAS e meias altas? MAS QUE FLOP VEM A SER ESTE?
Digo-vos estafados (imagineu eu) familiares que só há uma coisa que me deixa, neste ponto, aqui mais satisfeito. Chegado ao hotel (um 4* de vilarejo) confortável mas nada de transcendente apresentam-me uma tarifa que ronda os 280 Euros. É ASSIM MESMO, PÁ! ATÉ QUE ENFIM ALGUMA COISA DE JEITO! E ainda melhora ao jantar que isto se um magano envereda por entrada mais peça de resistência, desliza na sobremesa e termina no "espresso restraite", não avança menos de 40-50 Euros. FORÇA NISSO, RAPAZIADA! Finalmente alguma coisa que não é deixada ao acaso. Outra coisa porreira aqui é que se pensam que se desenrascam uns Breitling a melhores preços, desenganem-se. É tudo mais caro. ASSIM É QUE É, PÁ!E até vos digo, isto está a correr tão bem que me vou já despedir para não correr riscos do ambiente se toldar novamente e lixar as expectativas.
O que são boas notícias para a Tia Guida. Porque não cheguei a atingir a almejada Parte Pau Vê, muito menos por conseguinte, a Parte Pau Xis. Agora segue-se a luta de conseguir rede 3G com força suficiente, o que I-NA-CRE-DI-TÁ-VEL-MENTE não se consegue por aqui. Uma coisa que está ao alcance de qualquer tasca no Alentejo. Pois é, ainda me vão fazer chegar os sumos de azeitona...
Nota final: conseguindo eu combater este obstáculo tecnológico, enquanto vou dobrando as camisas para pôr na mala, vai seguir a publicação sem a fotografia da praxe para amenizar a paragrafiada. Mas prometo que no decorrer do dia de descanso complementar ou, o mais tardar, no dia de descanso obrigatório, edito o presente com o postalinho aqui da terra.
Nota final final: como já era de supôr, o obstáculo tecnológico fez jus ao seu apanágio e escrevo-vos esta nota final final já na sala de embarque do aeroporto, para publicação apenas à minha chegada. Esta é uma entrada volante, portanto.
10 fevereiro 2006
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3 comentários:
Parabéns e obrigado.
Rica prosa.
XX valores. Podem vir mais paus vês e até xizes que serão bem recebidos.
Confesso-me completamente rendida ás prosas miguelistas sejam elas com pau, pau pau ou seja lá o que fôr. Embora, devido ás dimensões dos ditos, continue a ter de tirar o dia para ler com a merecida atenção os belos escritos do meu querido sobrinho, dou o tempo como muito bem empregue.
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