22 julho 2008

Meu querido pai

Não querendo ferir susceptibilidades ( isto já deve ser erro com o novo acordo ortográfico), resolvi hoje também escrever-te.

Tens consciência de que já passaram 24 anos? Eu não, continua a parecer-me que foi ontem.

Esta "cena" do acordo ortográfico que acaba de ser promulgada pelo manequim da Rua dos Fanqueiros, Cavaco Silva, desculpa a falta de respeito pelo Sr. Presidente, a que não ias achar graça nenhuma, (nem à falta de respeito, nem se calhar ao Presidente), é uma palhaçada.

Eu cá que cometo poucos erros de ortografia vou passar a fazer muitos e a borrifar-me completamente nisso. Quero lá saber! ainda me lembro da mãe escrever assucar em vez de açucar e pharmacia em vez de farmácia, por exemplo, e dizer precisamente o mesmo.

Acho que se resolvesses voltar, irias ficar completamente em choque, com a mudança que tudo teve, desde então.

Tu, que eras um homem culto, sentir-te-ias perdido no meio da linguagem actual, numa época em que deixaram de dar valor a todos os valores que aprendeste e ensinaste-nos como sendo os melhores, em que se é importante pela quantidade de dinheiro que se tem, pelos bens materiais que se acumularam e se exibem aos outros, pagos a pronto ou a crédito, muito dele incobrável.

Tu, que és de um tempo em que se comprava unicamente aquilo que fazia falta, com dinheiro à vista e que se só se susbtituía depois de esgotada toda a sua utilidade e excluídas todas as hipóteses de transformação em algo novamente útil.

Tu que és de um tempo, em que o conceito de felicidade não pertence aos dias de hoje, comprovando que não se é mais feliz por se ter muito, sobretudo quando se sacrifica tudo e todos para o obter.

Irias ficar horrorizado com a corrupção e violência, generalizadas, que acabamos por achar "normal", dada a frequência com que estalam escândalos e guerras por todo o lado, e também com as catástrofes climáticas com consequências cada vez mais graves e frequentes.

Irias ficar chocado com as aberturas de todos os telejornais nacionais, dando o maior realce a tudo o que não presta , mas que vende bem. Hoje temos acesso a canais de notícias de muitos países, onde a situação não é melhor.

Em contrapartida, acho que irias gostar de participar neste blogue e contribuírias decisivamente para algum "aquecimento blogal".

Irias gostar da evolução tecnológica, do progresso da medicina e de muitas outras coisas boas que vieram agarradas às más ou vice-versa.

Irias gostar de ver a tua família. cada vez maior, unida e solidária, como sempre.

Feito o balanço geral, não consigo dizer se somos mais felizes agora, com tudo a que podemos aceder e de que teríamos muita dificuldade em abdicar, achando mesmo que seria insuportável não ter Telemóvel, GPS, Tvcabo, Mp3, Mp4, Internet, Ipod, playstation, gameboy, Lcd, Plasma, câmara digital, etc., etc...

Nada disto te diz algum coisa, pois não? Pois é, em pouco tempo, criaram-nos dependência de tudo isto, sem nos apercebermos. Rídiculo, não é? A semana passada com o lançamento de um novo telemóvel o "Iphone", que custa uma pipa de massa, dezenas de pessoas fizeram bicha (agora diz-se fila, deve ser por causa do acordo) só para o poderem segurar (e pontuar junto dos amigos) , porque dinheiro não há, estamos todos ( ou quase), falidos.

Ainda bem que tivémos a sorte de ter uns pais que nos deram uma educação e um exemplo que nos permite ver a outra face da vida. Obrigada!

Bem, já vai longa esta carta, espero não estar a maçar-te demasiado.

Vou dando notícias.

Até um dia, Meu Querido Pai!

a 5ª, "a benjamina", Lena

4 comentários:

cbarata disse...

Gosto muito das coisas que a menina escreve!!
Muitas coisas me vinham à cabeça enquanto lia. Por exemplo: o Zé Barata gostava muito de inovações tecnológicas e a primeira televisão que eu vi na vida foi a de lá de casa. Havia lá também um gravador de bobines que gravou, por exemplo, tu a dizeres que gostavas "muito do colhelhinho".
O frigorifico a petróleo é que era pior.
E j+a vai longo o comentário.
Podes prosseguir.

Lena disse...

O frigorífico era pior porquê?só me lembro que era de tal maneira eficiente que funcionava como um congelador em toda a sua dimensão. Era uma peça bem gira. Hoje faria os encantos em casa de algum revivalista cheio de dvds ou outra coisa qq.
A têvê de válvulas que demorava a aquecer e a arrefecer tb, é que nos traía nos serões em que corríamos para a cama fingindo que dormíamos, assim que ouvíamos o Cinca a fazer a curva da Rua da Fábrica.

Rita disse...

Com estas modernices ficam todos malucos! No meu tempo as crianças eram muito mais bem educadas! (sim... eu também já digo isto. E sim, claro que tenho razão!)

Aproveito para informar que já tenho tv há cerca de 2 semanas e foi ligada umas proveitosas 4 vezes para ver dvds emprestados! :)
(o leitor tb é emprestado)

Em contrapartida já se leram uns livros e de seguida vou escrever o post há tanto tempo prometido pelo meu pai.

Tia Guida disse...

As coisas que tu escreves, mana Leninha, têm o condão de nos trazer á memória recordações que estavam guardadas há muito tempo e que julgavamos esquecidas. Só por isso, e não é pouco, obrigada.